terça-feira, 8 de novembro de 2011

[ Sobre a mesa de costura ou o que ainda resta dela ]

Alguns objetos passam por nossa vida e deixam uma marca profunda. Por exemplo, o caderno em que aprendi a escrever não era universitário e nem em estilo agendinha. Ele era um quadrado perfeito, encapado com plástico leitoso amarelo ovo. Tinha folhas pautadas que a professora obrigava a traçar margem com lápis de cor vermelho. Era proibido escrever a caneta. Eu enchia o coitado com letras, quase garranchos, que saiam firmes devido a força aplicada no lápis.

Quando eu chegava em casa tinha lição para fazer. Eu tirava meu caderno da mochila (uma azul da Turma do Arrepio) e saia para o quintal da minha tia com caderno e estojo em mçaos. Deitava em cima da mesa de costura e continuava a aprender ligar letras e formar palavras. Não sei onde este primeiro caderno foi parar, mas a mesa de costura ainda habita algum quintal da família.

Era uma mesa de metal, pintada de cinza, tinha um tampão marrom e era bem grande. Minha tia, costureira e modelista de profissão a utilizava durante o dia para cortar os moldes das peças que fabricava. A família em outras ocasiões fazia uso da mesa para tudo. Era um móvel indispensável.

A mesa já serviu para eu, junto do meu pai, fabricarmos bandeirinhas do Brasil com papel de seda para copa de 1994. Já serviu para eu aprender a jogar e a trapacear no Banco Imobiliário. Já serviu para eu sentar em cima e montar Lego. Já serviu para eu jogar um retalho de pano e brincar de cabana. Com ajuda de uma toalha toda franzida ao redor a mesa de costura hospedou uma fazenda, cenário principal da decoração da minha festa de dois anos. Com uma toalha vermelha e dourada servia para sustentar as deliciosas comidas da ceia de muitos Natais.

Servia de tudo, servia pra tudo, servia pra sempre. Desde que me dou por gente esta mesa existe. Não me lembro de como ela chegou, mas me lembro bem de como ela foi se desfazendo. O metal com o tempo enferrujou. Para não perder o tampão (que com certeza seria bem vindo em muitas ocasiões) foram construidos dois cavaletes de madeira. A madeira dos cavaletes apodreceu, mas a madeira do tampão não.

Minha tia se mudou de casa algumas vezes e o tampão da mesa foi junto. Ele nunca se desfez. Talvez seja um desses móveis eternos que por mais acabados que estejam sempre vão chamar a atenção de quem repara. O tampão da mesa me serviu de apoio para as primeiras palavras. O tampão da mesa de costura é um objeto qualquer para os outros. Mas para mim é peça fundamental da memória. Não sei na casa de quem ele foi parar. Talvez ele esteja encostado em um canto junto com as memórias de toda uma família, aguardando o próximo aniversário de criança...

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